O que veem daqui – Política brasileira vista da Alemanha

Fotografia em preto e branco de um chão de areia com um utensílio de cerâmica quebrado em várias partes.
Foto: by Matt Artz on Unsplash

por Karina Sávio*

O Brasil anda na mira dos veículos de mídia internacional desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que acionou um alerta sobre as condições democráticas em nosso país. Com a eleição de Bolsonaro em 2018, esse holofote se tornou ainda maior, focando no que de pior nosso país pode produzir.

A exposição do despreparo do suposto presidente para ser governante de uma das maiores economias do mundo é motivo de escrutínio constante em programas satíricos da TV alemã, principalmente após a crise do coronavírus desde o início deste ano.

Para além de divertir o público alemão com a nossa desgraça, a figura triste e sádica de Bolsonaro, assim como seu assujeitamento aos mandos estadunidenses, com posições estapafúrdias frente a temas de grande importância à comunidade internacional e o esvaziamento em sessões da cúpula das Nações Unidas, vai isolando cada vez mais o Brasil da comunidade internacional e de importantes decisões diplomáticas, como é o caso do financiamento das pesquisas para uma futura vacina para o Covid-19.

Com seu apego a fake news e teorias de conspiração, sua paranoia e seus delírios constantes, Bolsonaro e seu governo jogam o Brasil cada dia mais no rol das repúblicas de bananas, que só servem a entreter com seus comportamentos absurdos a política internacional e como massa de manobra em momentos decisivos de votação, servindo a interesses de lucro de nações desenvolvidas. A dependência econômica e ideológica vem tomando proporções gigantescas nesses quase dois anos.

É triste e aterrador acompanhar tudo isso de longe, embora de perto seja talvez ainda pior, já que a máquina bolsofascista faz de tudo para nos manter ocupados e dificultar uma organização de resistência, devido à sucessão de ataques às instituições democráticas, deixando-nos à mercê de nossa perplexidade. No entanto, estar fora nos faz acompanhar as notícias com certo tempo para respiro e com um panorama internacional mais próximo, o qual mostra de forma clara como também não estamos sozinhos na escalada do absurdo.

Aqui na Alemanha já há algumas semanas vêm ocorrendo manifestações contra as medidas de isolamento relacionadas à pandemia, as quais vêm ganhando mais e mais adeptos, com base na conhecida fórmula de fake news, teorias da conspiração, compartilhamento em massa e um público ávido por soluções fáceis. Um partido foi inclusive fundado, o Wiederstand 2020 (Resistência 2020). Em menos de um mês, o partido angariou mais filiados que todos os outros partidos, com exceção do Partido Verde, que conta com o maior número de filiados no país, por unir pessoas de todos os espectros políticos sobre a bandeira do meio ambiente[1].

O Wiederstand 2020 acompanha a fórmula já observada no Reino Unido com o Brexit, nos Estados Unidos com Trump e no Brasil com Bolsonaro. Funcionam com base em notícias falsas, que trabalham o sentimento de descontentamento das pessoas e suas crenças pessoais, sendo bastante bem-sucedidos em momento de crise como o de agora, já que se utilizam da escalada do medo no tecido social. Com uma fachada de defesa da Constituição alemã, que em muitos aspectos conserva ranços fortes de discriminação, como em um documento publicado em que insinua que a migração mulçumana se utiliza das leis alemãs para formar uma sociedade paralela[2], o partido se aproxima da extrema-direita no país, preocupando inclusive membros do Alternative für Deutschland (AfD, Alternativa para a Alemanha), principal representante do espectro na Alemanha e que vem crescendo nas últimas eleições.

Acredito que uma diferença importante que vem fazendo efeito agora e pode ser ainda mais benéfica no futuro é o tratamento dado ao fenômeno pela grande imprensa desde o início. Diferentemente de apresentá-lo como uma alternativa e normalizar seus quadros e ideais, a imprensa vem fazendo um trabalho informativo em diferentes meios de comunicação (TV, jornais, Instagram etc.), com abordagens claras e explicativas de como as redes de teorias da conspiração funcionam e agem, como falsificam fatos, quem são os nomes por trás dessas redes e como elas são prejudiciais ao equilíbrio de sociedades democráticas.

Se os grandes veículos brasileiros tivessem seguido os mesmos passos desde a candidatura, talvez não estivéssemos aqui. Nas últimas duas semanas, a nossa mídia vem aumentando sua reação aos escândalos e às violações do governo Bolsonaro ao estado de direito. Ainda bem, antes tarde do que nunca. Não vejo a hora de chegarmos aos mandantes do caso Marielle e aos responsáveis pelas operações do Gabinete do Ódio (embora já tenhamos nossas suspeitas). Mas seria muito interessante que tais veículos se dedicassem mais a reportagens investigativa – que, devido ao custo e ao tempo de elaboração, são escassas em nosso meio jornalístico –, e mesmo a reportagens mais simples e educativas, como o fez a imprensa alemã. O serviço educativo básico dá resultado, o número espantoso de filiados ao Wiederstand 2020 já está sendo colocado em dúvida pela população e talvez ele não consiga sair do papel, devido às suspeitas do uso de boots.

Espero de fato que os novos esforços dos grandes veículos de mídia e das instituições brasileiras, que começam a dar sinais de vida, sejam vitoriosos e possamos nos ver livres do pior governo da história do Brasil (mas que nunca nos esqueçamos desta mancha, a fim de jamais repeti-la). E esperançosamente, depois que a tempestade passar, esses mesmos veículos façam sua mea culpa imediatamente, e não em um editorial 50 anos depois da tragédia.

*Karina Sávio é formada em Letras e História pela USP, com pós-graduação em Comunicação Digital e Marketing pela Faap. Atua há mais de 10 anos como revisora e editora. Atualmente mora em Berlim e é mestranda na área de estudos latino-americanos, com ênfase em comunicação política na Freie Universität Berlin.

Referências

[1] NEUE Partei “Wiederstand 2020” demontiert sich selbst. Der Tagespiegel, 05. Jun. 2020. Disponível em: https://www.tagesspiegel.de/politik/streit-um-mitgliederbeteiligung-neue-partei-widerstand-2020-demontiert-sich-selbst/25890996.html. Acesso em: 21/06/2020.

[2]DEUTSCHLAND. Bundesamt für Verfassungsschutz. Islamismus: Entstehung und Erscheinungsformen. Verfügbar unter: https://www.verfassungsschutz.de/embed/broschuere-2013-09-islamismus-entstehung-und-erscheinungsformen.pdf. Acesso em: 21/06/2020. O documento foi inclusive usado para justificar a atitude contra a migração de origem árabe e muçulmana no programa da AfD.

 

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