O abismo

Foto que mostra o vão circular de um edifício de vidro, em que é possível ver mesas de restaurante em um dos andares.
Imagem: Anja-#pray for ukraine# #helping hands# stop the war no Pixabay

por Anderson Antonangelo*

entreolhávamo-nos
o abismo
e eu
em flerte refletido
sem saber se divisava
o nada dentro ou fora 

o abismo me sorriu;
sorri-me?
com gengivas descarnadas
com gengivas pestilentas 

o abismo:
sorriu-me? 

ou é ele já aqui
no oco olhar opaco
na arquetípica
estereotípica
alma penada
na clorídrica
viscosíssima
cusparada de
bile morna?

com fosco desconforto
lanço-me ao breu –
ao abismo infecundo
(ao abísmico eu?) –
com asas poliméricas sintéticas
com asas resinosas
feito ícaro de plástico 

o momentâneo voo
a aparente
flutuação
em poucos
segundos
materia-
lizam-
se
em 

queda. 

*Anderson Antonangelo é paulistano de 83. Professor, tradutor, escritor. Autor de Fastasmagorias (Gota, 2018), Ruminações (Chiado Books, 2020) e Diástoles (Urutau, 2021). Cofundador do Coletivo Sinestéticas. Editor da revista Agagê80.

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