por Anderson Antonangelo*
a repórter noticia a descida
da serra e distrai o paciente
na esterilizada sala de espera
pacientemente passa o tempo
esquece-se do abscesso pulmonar
percebe o engarrafamento do
próprio engarrafamento que não
se sabe ser de hoje do natal pas-
sado de décadas passadas
corta da rodovia pro centro da
cidade o comércio está a todo
vapor e esse natal nem a crise
atrapalha as ruas parecem até
formigueiros humanos veja só
o paciente não sabe como com-
prar objetos para a família objetos
para o amigo secreto com um
trânsito desses com um abscesso
no pulmão sem o décimo terceiro
sem certezas sem receita
não perca o saldão de fim
de ano o gerente enlouqueceu
e no corredor médicos discutem
impacientemente ameaçam-se
acerca de quem deve ficar com
os retornos cientes da meta a ser
batida a ser combatida
sete minutos de atendimento
setenta quilômetros de engarra-
famento na serra agora ou
há alguns meses
boa tarde o que você sente
muito bem cinco dias de anal-
gésico cinquenta miligramas
o especial do roberto carlos terá
convidados ilustres retorne se
for necessário e indicarei o
mesmo novamente até
logo senhor abscesso senha
seiscentos e sete
goteja goteja o soro gote-
ja o abscesso se dirige de
volta ao trânsito lentidão
no quilômetro trinta e sete
sete suaves prestações sem
juros garantia estendida a pa-
rede asséptica do pronto-socorro
mantém médicos pacientes
pacientes impacientes a meta
cumprida o trânsito lá fora
senha novecentos e dezenove
e nessa tarde nessas todas
tardes gotejantes nem o gin nem
o saramago nem a varfarina
são capazes de desobstruir o
dia de desobstruir aquilo que
convencionou-se chamar vida
*Anderson Antonangelo tem 34 anos e é graduado em Jornalismo e Letras pela Universidade de São Paulo. É poeta e professor, e atualmente cursa mestrado em Teoria Literária, na Universidade do Minho, em Braga. É autor de Fantasmagorias, publicado pela Editora Gota, e três vezes finalista em poesia na FLIP.
Muito bom!