de Alina Tortosa[1]
traduzida por Sarita Borelli*
Jacinto gesticula enquanto caminhamos para ilustrar o que diz:
— Como te explicar, a cidade é pra mim uma manta, um casaco com o qual posso me cobrir, posso meter meus braços em suas mangas ou usá-la como chapéu, como capa, como tenda. Posso usá-la para me perder nela, me esconder, desaparecer para depois aparecer no outro lado.
— Eu só posso ver a cidade como um espaço físico organizado de uma certa forma, bem ou mal.
Jacinto me olha com desprezo:
Não te entendo. Como você pode dizer isso? E o que viveu dentro da cidade? O que você viu e já não existe? Isso não forma parte desse espaço físico do qual me fala, não se sobrepõe à aparência objetiva dos lugares? Minhas recordações se instalam nos lugares, se acomodam no espaço, distorcem o que vejo. Mas você, Negro, você tem sangue de barata.
— O que você quer? Eu sou um tipo convencional. Não vejo o que não está lá.
— Mas está, velho, está. Você tem isso na cabeça e nas entranhas. E isso é tão real como o cimento.
— Olha, Jacinto, deve ser como você diz, mas eu sou um tipo tranquilo.
— Mais que tranquilo, está dormindo.
— Se você diz.
Um pouco do Jacinto me diverte, mas depois perco a paciência. Não posso seguir seu discurso apaixonado, e às vezes nem sequer compreendo o que ele me diz.
— Bom, Negro, não se aborreça, você sabe como eu sou, minha cabeça trabalha a mil por hora, vou e volto. E, você, você, é lento.
Jacinto tem razão, eu sou lento, mas me parece que a gente não escolhe isso. A gente é como é. Ele não escolheu ver essas coisas que diz ver, assim como eu não escolhi ver a cidade como ela é, não?
— Olha, Jacinto, sabe o que eu acredito, que as pessoas não escolhem o veem, alguns podem ver essas coisas que você fala e outros não.
Me olha com desgosto.
— As pessoas podem escolher. E se escolhem ver em vez de não ver?
— Você acredita…? Se fosse possível, eu escolheria ver… – respondo sem estar seguro do que digo.
— Escolhe, então, caralho.
— Está bem – digo-lhe para que fique feliz – escolho ver.
Caminhamos em silêncio.
Como será ser outro?, me pergunto, Como será ver o que não está lá? Como será ser apaixonado como Jacinto?
Sinto uma pressão no peito e me falta o ar. Meus ouvidos zumbem. Me nublam os olhos, não vejo. A cidade se escondeu atrás de uma neblina escura, a cidade está tremendo, se tomba, se sacode, se escurece. Um braço me sustenta, a cidade estirou um de seus braços para me sustentar. Sinto que me deslizo, que seu braço não pode me sustentar e caio. Ela cai comigo.
La Ciudad
de Alina Tortosa
Jacinto gesticula mientras caminamos para ilustrar lo que dice:
— Como explicarte, la ciudad es para mi una manta, un abrigo con el que me puedo cubrir, puedo meter mis brazos en sus mangas o usarla de sombrero, de capa, de carpa. Puedo usarla para perderme en ella, esconderme, desaparecer para después aparecer en otro lado.
— Yo sólo puedo ver la ciudad como un espacio físico organizado de una cierta forma, bien o mal.
Jacinto me mira con desprecio:
— No te entiendo. ¿Cómo podés decir eso? ¿Y lo que has vivído dentro de la ciudad? ¿Lo que has visto y ya no es? ¿No forma esto parte de ese espacio físico del cual me hablás, no se sobrepone a la apariencia objetiva de los lugares? Mis recuerdos se instalan en los lugares, se acomodan en el espacio, distorsionan lo que veo. Pero vos, Negro, vos tenés sangre de horchata.
— ¿Qué querés? Yo soy un tipo convencional. No veo lo que no está.
— Pero está, viejo, está. Lo tenés en la cabeza y en las entrañas. Y eso es tan real como el cemento.
— Mirá Jacinto, será como vos decís, pero yo soy un tipo tranquilo.
— Más que tranquilo, estás dormido.
— Si vos lo decís.
Un rato de Jacinto me divierte, pero después me impaciento. No puedo seguir su discurso apasionado, y a veces ni siquiera comprendo lo que me dice.
— Bueno, Negro, no te enojés, vos sabés como soy yo, la cabeza me trabaja a mil por hora, me voy y vuelvo. Y, vos, vos sos lenteja.
Tiene razón Jacinto, yo soy lento, pero me parece que uno a estas cosas no las elije. Uno es como es. El no eligió ver esas cosas que dice que ve, igual que yo no elejí ver la ciudad tal cual es ¿no?
— Mirá, Jacinto, sabés lo que yo creo, que uno no elige lo que ve, algunos pueden ver esas cosas de las que vos hablás y otros no.
Me mira disgustado:
— Uno puede elegir. ¿Y, si elegís ver en lugar de no ver?
— ¿Vos crees…? Si se pudiese, yo eligiría ver… -le contesto sin estar seguro de lo que digo.
— Elegí, entonces, carajo.
-Está bien – le digo para que se quede contento – elijo ver.
Caminamos en silencio.
¿Cómo será ser otro?, me pregunto, ¿Cómo será ver lo que no está? ¿Cómo será ser apasionado como Jacinto?
Siento una opresión en el pecho y me falta el aire. Me zumban los oidos. Se me nublan los ojos, no veo. La ciudad se ha escondido detrás de una neblina oscura, la ciudad está temblando, se tambalea, se sacude, se oscurece. Un brazo me sostiene, la ciudad ha estirado uno de sus brazos para sostenerme. Siento que me deslizo, que su brazo no me puede sostener y caigo, ella cae conmigo.
*Sarita Borelli é pós-graduada em Design Editorial pelo Senac, graduada em Letras pela Universidade de São Paulo, designer, editora responsável pela Editora Gota e idealizadora da Revista Aluvião.
[1] TORTOSA, Alina. La entrevista inédita. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1997. p. 93-97.