Por Carlos Ogawa*
Ao diagnosticar o Brasil pós AI-5, em 1976, Florestan Fernandes afirmava que as classes ricas e governantes de nosso país buscavam um circuito fechado à história para manter seus privilégios. Pois bem, quarenta anos depois, busca-se um novo circuito fechado para o país e a educação será profundamente afetada.
Nem o protagonismo estudantil dos últimos anos conseguiu oferecer ainda alternativas e, por ora, ficamos com o trabalhismo mambembe e com o neoliberalismo raivoso dispostos a tomar as mesmas medidas: promover a privatização das escolas em nome da melhora dos índices nacionais, como o Ideb, e internacionais, dos quais o principal é o Pisa, sem questionar o significado dessa eventual melhora.
Os governos já se mostram ávidos em terceirizar as escolas. O ex-ministro Mercadante sinalizou, em novembro de 2015, ser a favor de entregar a administração de escolas a Organizações Sociais (OS). Goiás e São Paulo já se preparam para implantar modelo semelhante.
A terceirização interessa, sobretudo, porque desonera o Estado de contratar funcionários. Vale lembrar que os professores são a categoria mais numerosa nos estados e municípios. Além disso, em vez de se responsabilizar diretamente pela qualidade da educação, o governo viraria cliente das OSs e gestor de patrimônio.
Essa nova lógica poderá transformar o aluno em seu próprio agente de consumo, pois ele poderá escolher o serviço de aprendizado mais conveniente (talvez entre os oferecidos pela mesma empresa ou até mesmo entre empresas diferentes), todos certificados pela novíssima Base.
Nesse modelo de trabalho, os professores, precarizados, teriam pouco poder de barganha e quase nenhuma autonomia didática. Nos Estados Unidos, professores universitários com contratos temporários já se inscrevem para receber os food stamps, benefício que garante a alimentação mínima dos cidadãos daquele país.
Igualmente importante nesse novo circuito pedagógico é a Base Nacional Comum Curricular. Criada sob a égide de um secretário da Educação Básica que coordenava um instituto voltado para a criação de avaliações escolares, ela vem para transformar a avaliação em termômetro da educação nacional. Se a nota vai bem, a educação também.
A Base padroniza as expectativas de aprendizado dos estudantes do país. O que parece bom a princípio, pois garantiria o mínimo para todos, na prática, vai reduzir os horizontes da formação dos estudantes. Ir além do que é oferecido pela Base será um problema para os que não dispõem de recursos e uma educação de circuito aberto, por assim dizer, será um privilégio ainda mais raro e caro. Cultura será, cada vez mais, um luxo.
Em um panorama em que a oferta de informações é abundante e a demografia desfavorável, muitas empresas querem deixar de vender livros para prestar serviços de educação. É uma aplicação ao mercado de materiais pedagógicos da lógica do streaming.
Essa nova lógica poderá transformar o aluno em seu próprio agente de consumo, pois ele poderá escolher o serviço de aprendizado mais conveniente (talvez entre os oferecidos pela mesma empresa ou até mesmo entre empresas diferentes), todos certificados pela novíssima Base. A emancipação pelo consumo chegará, enfim, à educação, e o aluno será o consumidor-protagonista desse processo.
No cenário que se desenha, será difícil encontrar uma educação libertadora, pois a liberdade não é certificada. Contestadora, pois a contrariedade não cabe no currículo. Será uma educação em que o aluno se bastará ao cumprir pequenas tarefas e, em vez de se formar, vai se tornar no gestor do próprio aprendizado.
*Carlos Ogawa é editor, professor e mestre em história.