Andando na linha

linhas arquitetônicas retas de uma estação de metrô na Alemanha


por Karina Sávio*


Por alguma razão além do meu entendimento, encasquetei com a ideia de passar um tempo além-mar, melhorando meu parco alemão e encarando a tarefa hercúlea de um mestrado em Comunicação Política na Europa com os 35 anos à porta. Muito é verdade por razões políticas e econômicas, dado que eu dependia única e exclusivamente do meu trabalho e as perspectivas não eram nada agradáveis.

Há muito a se discutir sobre os rumos atuais do Brasil e possíveis caminhos para a esquerda, assuntos sobre os quais me debruço desde que cheguei aqui. Mas agora deixo de lado todas as análises e rigores de escrita para tecer impressões e escrever um texto sentimental, no sentido estrito da palavra. O caso aqui é tratar do quanto eu me reconheci como brasileira nesses meus cinco meses na terra de Angela Merkel. Brasileira não apenas no sentir, mas também por contrastes.

Os estranhamentos culturais são muitos e ainda saltam a cada esquina. Depois desses meses, a eficiência germânica soa para mim como vigilância e controle – não apenas do Estado, mas de cidadão para cidadão. Para muito além de respeitar o direito do outro, o que é algo incrível, já que eles sempre procuram seguir o ditado “meu direito acaba quando começa o seu”, os alemães possuem regras internalizadas e que devem ser seguidas à risca, caso contrário você se deparará com alguém gritando ao seu lado pela forma como você não anda logicamente na rua ou por você cheirar cremes na farmácia antes de comprá-los (true stories). Os alemães têm uma dificuldade incrível de lidar com o que sai da norma, com o diferente – pelo menos é assim que eu vejo.

Viver num país com mais oportunidades e com menos desigualdade de renda deveria ser direito universal, assegurado a todos os cidadãos do mundo. Mas o fato é que isso faz com as pessoas aqui tenham dificuldade em enxergar nuances e entender realidades em que é preciso dançar conforme a música, já que as escolhas não são tantas assim. Isso quando há escolhas. Eu as tive, reconheço o privilégio, mas não foi sempre assim.

Para mim essa viagem nunca representou um salto no que muitos chamam de “sonho europeu”. Ela foi uma decisão dura de deixar meu país e pessoas queridas num momento crucial, em busca de algo que pudesse me trazer um futuro um pouco mais sólido. No entanto, a cada dia aqui eu tenho mais consciência de onde eu venho, do que eu enfrentei e de como eu quero trabalhar para coisas que importem e que realmente façam diferença.

No fim, de um jeito enviesado, a Alemanha me abriu portas e as mais importantes delas: as portas da alma.

*Karina Sávio e bacharel em Letras e História pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Marketing e Comunicação Digital pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Atua na área editorial há mais de 10 anos.

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