Foto: by Joanna Kosinska on Unsplash
por Gabriela Alias*
Desde o início da pandemia e do distanciamento físico, nossas relações têm sido afetadas e aconteceram mudanças na maneira como vivemos e percebemos o mundo. Talvez nunca tenhamos ficado tanto tempo on-line, em frente às telas, seja para lazer, para trabalho ou para cumprir atividades escolares. Muito do que antes era realizado presencialmente, agora acontece, dentro do possível, remotamente.
Nesse contexto atípico, a escola sofreu também com as novas condições impostas. Tenho refletido sobre educação em tempos de pandemia, dado o cenário que se configura no período atual. Importante situar que escrevo este texto em meados de junho, quando se completam três meses da suspensão das aulas presenciais no estado de São Paulo. Falo do lugar de professora da escola pública da rede federal e de pesquisadora na área de educação inclusiva e que o que discorrerei aqui será atravessado por essas práticas e vivências. Falar de educação e, principalmente, de inclusão neste momento, é como andar num terreno irregular, talvez ainda desconhecido e com inúmeras possibilidades de visões e discussões. Por isso, julgo necessário apresentar de onde trago as reflexões aqui compartilhadas.
Há anos, no âmbito da educação, discutimos metodologias ativas, abordagens metodológicas em que o estudante seja o protagonista do processo e práticas para aprendizagem significativa. Também se fala sobre essa aprendizagem mediada por tecnologias digitais e as possibilidades de inclusão (aqui não me refiro somente à inclusão de estudantes que fazem parte do chamado público-alvo da educação especial, mas me refiro a um contexto mais amplo, voltado a todos os estudantes).
Esforços têm sido feitos pelos profissionais da área da educação, já que atividades remotas tomaram o lugar das aulas presenciais. Aqui, é válido ressaltar que essa mudança emergencial no ensino não é sinônimo de educação a distância. Erroneamente, muitos chamam essas atividades de EaD – concordo com as palavras do professor David Rodrigues: talvez o melhor termo para isso seja um “ensino doméstico apoiado”.
Se antes, já enfrentávamos inúmeros entraves para chegar à educação inclusiva, que não deixasse ninguém de fora, hoje, as (in)diferenças se acentuam. No atual contexto, pensar na inclusão vai além de pautar o trabalho na pedagogia da diferença, em que se considera a pluralidade de perfis de aprendizagem dentro de uma turma. Vejo que a discussão é (ou deveria ser) muito mais ampla e profunda. A partir do momento que decidimos por um modelo de educação emergencial e remoto, mediado por tecnologias digitais da informação e comunicação, aspectos referentes às condições de acesso vêm à tona. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2019[1], elaborada e publicada no último dia 24 de junho pelo cetic.br, mostrou que ainda há uma parcela expressiva de crianças e adolescentes que não tem acesso fácil a internet e smartphones e/ou computadores que permitam utilizar softwares e aplicativos para acompanhar determinadas atividades.
É preciso considerar ainda estudantes matriculados na EJA (educação de jovens e adultos), cujo alunado tem um perfil com características diversas e específicas. Muitos estavam há um grande período fora da escola e retomaram os estudos no início deste ano; há os que conciliam trabalho e estudos; outros, têm dificuldades com a utilização do celular, do computador e a questão crucial para as atividades remotas – o acesso à internet.
Em alguns países, como Portugal, o entrave de acesso às tecnologias digitais foi resolvido com a distribuição de computadores a estudantes carentes. No Brasil, temos algumas iniciativas similares, mas ainda não sabemos o quão efetivas elas serão. Contudo, apenas possibilitar o acesso às tecnologias também não é suficiente. É preciso pensar na formação dos professores e dos estudantes para o uso dessas tecnologias.
Todas essas questões têm perpassado o ensino e, consequentemente, a inclusão nesses últimos três meses. Esse contexto é marcado por uma série de incertezas. Não sabemos ainda quanto tempo ficaremos nessa situação, como será a volta e o que mais temos ouvido – como será o “novo” normal quando isso amenizar. Contudo, vejo que não podemos continuar tratando com indiferenças as inúmeras diferenças presentes na escola.
Haverá perdas no processo de ensino e aprendizagem? Indubitavelmente. Porém, vejo que não oferecer nada é um erro crasso, assim como é também almejar cumprir todos os itens das ementas das disciplinas. Agora, mais do que nunca, pensarmos na flexibilização curricular e em práticas pautadas pelo desenho universal para aprendizagem e por metodologias que sejam inclusivas é essencial, assim como priorizar os conhecimentos essenciais para estudos posteriores.
Trabalhar de forma cooperativa e colaborativa nunca se fez tão necessário. Culpabilizar sistema x ou y, profissionais e famílias não ajudará a avançar nas medidas efetivas para minimizar as (in)diferenças e potencializar a educação inclusiva. Uma possibilidade é pensarmos juntos, com senso de comunidade, sobre as medidas para amenizar comportamentos ansiógenos e, quem sabe, oferecermos ambientes que sejam, de fato, inclusivos.
Já dizia Paulo Freire, esperançar é preciso. Esperancemos!
*Gabriela Alias é professora de língua portuguesa e língua inglesa no Instituto Federal de São Paulo e doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista.
Referência
[1] TIC KIDS ONLINE BRASIL 2019. São Paulo, 23 jun. 2020. Disponível em: <https://cetic.br/media/analises/tic_kids_online_brasil_2019_coletiva_imprensa.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2020.