O mundo de J

por Antonio Netto Junior*


As crianças são seres encantadores! Tenho a impressão que enquanto somos crianças exista algo de mágico em nós. Talvez algo que nos torne sobre humanos ou super-humanos. Bem, de qualquer forma, as crianças exercem grande poder de encantamento sobre nós, adultos.
Uma destas crianças, a quem chamarei de J, me encantou, me deixou abobado. Me fez rir à toa ao recuperar alguns momentos que passei brincando e observando seu jeito de ser.
A J tem a incrível capacidade de transformar coisas em brinquedos! Às vezes, isto acontece como um passe de mágica e, em outras, vem da sua pura imaginação. Bem, o que me chama atenção, ainda, é presenciar a J descartando brinquedos coloridos, com cheiros, personalizados, caros, baratos, da moda ou retrô.
Eu tenho a impressão que J possa ter algumas respostas para aqueles que se dedicam à investigação dos fenômenos da Física. Creio que ela oscila entre dois mundos, duas membranas, dois nós, duas dimensões ou apenas o mundo dela e o mundo dos adultos. Mostras disso são dadas sempre que ela inicia uma nova brincadeira – ou não, ela somente pode estar existindo em seu mundo!
Já presenciei J usando o portão de ferro da casa de seus avós para recriar parte do momento vivido pelo Lobo Mau que tenta invadir a casa dos Porquinhos. Não consigo me conter, acabo tendo uma crise de risadas. Veja, com as suas pequenas mãos, firmes nas grades de ferro, ela agita, sacode o portão e diz:
Abre esta porta que eu quero entrar!
É lindo ouvir em sua pronúncia a palavra porta. A letra “r” sai tão suave que parece que ela quer dizer “pota” (J não faz uso do “r” retroflexo dos paulistanos).

Em outro momento, também na casa dos avós, J decidiu que uma caixa de papelão retangular poderia se transformar em um meio de transporte; creio que seja algo muito avançado de seu mundo. Ela ignorou o atrito, a necessidade de rodas e elegeu seu dindo – sim, dindo, pois a palavra padrinho tem encontros consonantais que não agradam J – como a força motriz que a puxava dentro da caixa a partir de uma tira de pano.
Como estamos falando de mundos, universos, dimensões, vale contar aquela vez que J encantou o pé da árvore de natal da casa de seus avós e fez dele um instrumento que, segundo ela, era capaz de ver – as estrelas! Ela tanto fez, tanto insistiu, que um de seus tios lhe construiu um caleidoscópio. Agora, J via formas e cores em movimento tridimensional. Alguém, que estava na sala no momento, falou que a ouviu dizer:
Ah! Eu já vi muito mais, já vi além da Via Láctea!
Dia desses, J concebeu uma casa a partir de um pequeno banco, quando visitava uma de suas tias. Tratava-se de um café da tarde. Os adultos se posicionaram sobre a farta mesa, enquanto J procurou se atualizar sobre a oferta de programas infantis na TV a cabo e a exercitar seu ofício de desenhista. Em certo momento, eu, o tio, – sim, J veio a minha casa para nossa alegria! – a ofereci um banquinho dobrável para que pudesse se sentar. Em um passe de mágica, J converteu o objeto em uma casinha!
J também se dedica à dança, no caso, o ballet, e transforma as mesas em palcos para breves apresentações. Gosta de colaborar com afazeres domésticos; na cozinha sobe em uma escada, alcança a pia e se realiza com a espuma formada por detergente e água. Em um lapso de tempo, se transporta para uma realidade, que para os adultos seria apenas uma fantasia, que lhe permite nadar nas brumas do espaço-tempo, fazer contato com nebulosas de poeira e gás, alcançar cometas, orbitar planetas, medir forças com meteoros e presenciar o mau exemplo do Universo ao sair de sua dieta e permanecer em expansão (J diria que ele, o Universo, estava engordando).
Bem, este é o mundo de J. Reparto com vocês algo que ela me confidenciou em certo momento, uma lição por eu ter sido adulto demais: — Titio, não é banco! É casa! É casa!
*Antonio Netto Junior é professor, historiador e mestre em educação.

6 respostas a “O mundo de J”

  1. Parabéns a toda equipe da Revista Aluvião. O site e a revista ficaram lindos! Do tratamento das fotos, da criação do layout e seleção de textos, tudo denota a posição acertada de seus editores.
    Vida longa à Aluvião! E que continuemos a ser inundados e preenchidos com bom conteúdo.

  2. Antônio, que lindo texto!! Eu, sendo mãe de uma princesinha de 4 anos me identifiquei demais!! São seres que vêem além, e cada dia tenho mais certeza que aprendemos com eles, muito mais do que ensinamos.
    Espero poder contar sempre com seus relatos sobre a J!!!

    1. Olá, Carolina
      Obrigado pelo carinho e apreciação. A sua opinião é muito importante para mim. Com certeza, as crianças sabem das coisas, muito mais do que possamos imaginar. Precisamos valorizar as oportunidades de aprender com eles.
      Agradeço pela sua torcida.
      Um abraço.

  3. Olá Juninho! Me desculpe, mas não consigo lhe chamar de Antônio, pra mim, carinhosamente, você é o Juninho do riso aberto e contagiante, grande amigo. Parabéns pela forma como escreve, sucesso! Grande abraço.

    1. Olá, Julio “Julião”
      Muito obrigado pelo seu carinho. Fique a vontade para usar o “Juninho” sempre (rsrs). Obrigado por apreciar meu primeiro texto.
      Grande abraço saudoso.
      Até breve.

  4. Adoráveis Antônio, tanto J como o texto que a apresenta!! Como mergulhamos em um universo inimaginável ao olhar e conseguir ver crianças em seus movimentos infinitos de criação e arte! Uma gostosura só! Adorei! Prossiga!

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