por Felipe Sanches*
Era madrugada naquele outono frio. Álvaro tomou o elevador com a certeza de que entre o 7º e o 9º andares, finalmente, encontraria algum indício. Nada. Ficou desesperado. Desceu e subiu as escadas do Edifício Pérola, como se buscasse algum sinal de fumaça. Aquela fumaça que lhe acalmava o peito todas as noites de sexta. Já era a terceira vez seguida que não sentia mais aquele cheiro, naquele dia, como de costume.
Sabe-se lá por que, naquela noite tornara-se obsessivo. Como se o período de tolerância houvesse esgotado. Aquele odor de nicotina, papel e menta, entremeado ao Burberry Brit, inconfundível. Junto à sinfonia que se formava; vindo debaixo Elis, Caetano e Toquinho, e de cima Miles, Coltrane e Parker. Eram noites tranquilas, de leituras amparadas, aconchegantes e apreciadas. Havia a certeza de que ela estava lá.
Álvaro suava. Não exatamente por conta do esforço físico com pesadas roupas, mas transpirava angústia. Aquele homem magro – 1,83 m, 65 kg – suava em bica, desesperado com a possibilidade de que mais uma sexta-feira acabasse daquela maneira. Havia a perdido para sempre? Teria sido Rodolfo? Teria simplesmente se mudado dali, sem deixar pistas? Não seria possível tamanha falta de consideração, após todos aqueles anos.
Conformou-se. Abriu a porta e, quase que no mesmo movimento em que a fechava, puxou a rolha da garrafa que repousava no aparador, na entrada, e deu um gole, no gargalo mesmo. Já que não era capaz de apagar aquela lembrança, havia de afogá-la. Nem mesmo as sagradas cervejas de depois do expediente já faziam mais efeito. O golpe parecia ser duro demais para aquela noite.
*Felipe Sanches é graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo, poeta, editor de livros didáticos, colaborador de publicações da Editora Gota e coidealizador da Revista Aluvião.