Pra lá de Bagdá (ou o Curdistão iraquiano)

Por do sol em Erbil.


por Konrad Rahal*


Minha chegada no Iraque foi bastante tranquila. Talvez porque eu tenha chegado num momento e numa região onde a situação está relativamente estabilizada.

Aterrisso em Erbil, no Curdistão iraquiano, às 3h30 da madrugada. Por causa do horário e por ter sido tudo tão corrido, chego bastante ensonado. Espero uns 5 minutos para ser atendido pelo oficial de fronteira, que olha meu passaporte brasileiro e, sem fazer qualquer pergunta, o carimba, me concedendo entrada com visto de permanência de 1 mês.

Saindo do aeroporto, na zona de desembarque, aguardo mais uns 15 minutos, e Adil, motorista da ONG em que trabalho, vem me buscar para me levar à acomodação coletiva, que será minha casa pelos próximos dias. Apesar da aparente tranquilidade, as normas de segurança locais só permitem a minha locomoção com os motoristas da ONG. Nada de táxi ou carona.

Logo que saímos do terminal do aeroporto, a minha primeira reação é a surpresa com o calor. Nada descreve melhor do que a sensação de enfiar a cara no forno quente para tirar aquele bolo que estava assando a 40 minutos. A brisa – na verdade, um bafo quente – se assemelha a um secador de cabelo gigante.

Como cheguei no meio da madrugada – na real, todos os voos para Erbil chegam estranhamente de madrugada – minha chefe me escreve dizendo para dormir um pouco mais e ir para o escritório somente na hora do almoço para receber minha orientação e começar a trabalhar. Acordo por volta das 10h30, ainda cansado das duas noites anteriores viajando e sem dormir muito. Me arrumo e ligo para que o motorista venha me buscar na acomodação para me levar ao escritório. No caminho, já começo a notar que estamos localizados em um bairro bastante peculiar, com bares e lojas de bebidas alcoólicas espalhadas. Trata-se do bairro cristão em Erbil, onde boa parte das ONGs que trabalha na região está localizada. Como a maioria dos funcionários dessas organizações é de países de cultura ocidental, crê-se que morar no bairro cristão, onde o consumo de álcool é normal, cause menos conflitos com a comunidade local.

De casa ao trabalho demoro menos de 10 minutos de carro; daria para percorrer a distância a pé, não fosse o calor de quase 50 °C. Chegando no trabalho, seria de se imaginar que teria um dia tranquilo, uma integração com auxílio do RH, uma reunião com a diretoria, com minha chefe etc. Mas não aqui no Iraque, não no meio do caos da libertação de Mossul do autodenominado Estado Islâmico (EI), não em uma realidade em que mais de 15.000 pessoas são deslocadas forçadamente de suas casas em meio a tiros, snipers, bombas, morteiros e mísseis vindos de todas as direções.

O que fica claro para mim é: isso aqui é muito mais grave do que qualquer ONG possa dar conta. E logo estou em minha primeira reunião de coordenação com todos os atores locais trabalhando na resposta a Mossul – ONGs internacionais, locais, agências da ONU – para tentar dar o mínimo necessário de assistência às pessoas em fuga do conflito. Informações básicas sobre aonde ir, quais os campos que estão oferecendo quais serviços, onde encontrar o mais básico para a existência, pão e água, como descobrir onde estão seus filhas(os), mães, pais, tios, avós, que se perderam em meio à fuga. Como recuperar e emitir novos documentos de identidades, certidões de nascimentos, confiscados ou perdidos na correria para salvar suas próprias vidas. Onde conseguir um advogado para conseguir descobrir o que aconteceu com o filho(a), pai, irmão que foi preso no centro de screening (são vários, organizados por variados setores, até que se chegue a uma zona segura com presença de ONGs e ONU).

Após um breve resumo sobre quem está oferecendo qual serviço e onde, quais são os principais centros de aglomeração daqueles que estão fugindo do conflito, como providenciar as informações mais básicas, de que maneira uniformizar as informações para não causar mais confusão do que aglomeração… Começou, de fato, meu primeiro dia de trabalho.

* Konrad Rahal é advogado e mestre em direito internacional dos refugiados.

2 respostas a “Pra lá de Bagdá (ou o Curdistão iraquiano)”

  1. Boa noite estou planejando uma viagem para Curdistão e algumas curiosidades relacionadas a região. Você saberia me indicar algum site que eu possa me informar sobre os trajeto mais seguros para que eu possa viajar com segurança. Grata

    1. Boa tarde!
      Nosso colunista reside em Erbil, Iraque. O Curdistão não é oficialmente um estado soberano, mas uma região de maioria curda que reivindica independência e se espalha entre os territórios de Irã, Iraque, Síria e Turquia. Muitas de suas áreas estão em conflito armado. Portanto, verifique como está a situação da área para onde pretende viajar e se o país está recebendo turistas brasileiros no site do Itamaraty: http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/antes-de-viajar.

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